POR FÁBIO CHAP
Paulo desistiu de acreditar em si mesmo. Ele não corre atrás. Ele nem tenta mais. Paulo sente que tá tudo difícil demais. Ele mal tira o lixo de casa. Suas asas foram podadas. De uma timidez bruta, o desemprego lhe perturba. Dorme mais horas do que deveria. Dorme mal. Sente o corpo ceder e doer.
Paulo queria não lembrar da infância. Ali foi onde tudo começou. Seu pai, enquanto descia a cintada no seu corpo costumava dizer:
“Você é um merda, moleque. Cê não vai ser nada nessa vida porque você não presta pra nada.”
Pra nada. A dor marcada por essa frase, Paulo carrega sempre. A mãe não via quando a pele do filho doía. Maria geralmente estava no trabalho, enquanto Carlos, o marido sempre desempregado, bebia e agredia o então ‘Paulinho’. Era num cantinho do quarto que ele chorava. Não conseguia fazer algo pra reagir, parar de apanhar. Que criança consegue evitar isso, não é?
Quando trabalhou, Paulo nunca chegou atrasado. Sempre foi o funcionário mais pontual. Muito embora sua boca sempre cheirou mau. As pessoas simplesmente se afastavam sem nada dizer.
Hoje Paulo tem 37 anos. Está morando na casa da avó. Dali não consegue sair. Ela, inclusive, lhe compra o cigarro. Ela paga caro. Tá R$9,00 o maço. Com os pais não falou nunca mais. Há 5 anos não se comunica com ninguém da família, fora a avó de 79 anos.
Na única vez em que teve um relacionamento amoroso, durou 1 ano e nunca mais. Sua insegurança sempre corroeu tudo que tocou. Todos que conheceu. Paulo sente que já morreu, ao menos na alma.
A solidão dentro daquela mente transformou-se em ódio. Pela internet Paulo destila toda a sua raiva do mundo. Pra Paulo, mulheres são vagabundas. Negros, vitimistas. Gays, a escória.
Ontem mesmo Paulo riu quando ouviu Willian Waack cometer um crime. Na verdade, Paulo não criou um mundo pra si. Ele descobriu a qual mundo agora ele pertence. Escolheu o mundo dos grupos de Facebook e Whatsapp. Nesses grupos, sob um perfil verdadeiro, Paulo escreve coisas como ‘Melhor Jair se acostumando’, ‘Coisa de preto’, ‘Feminazi vagabunda!’
Nesse mundo virtual que Paulo adotou pra si, o humor e a tragédia se casam com o ódio. Ali o rancor encontra abrigo. E Paulo está decidido a ajudar a mudar o Brasil; quem sabe um dia, o mundo.
Seus traumas, seus medos, suas certezas e rancores se esquentavam no mesmo chá. Sua vida veio a se transformar numa timeline. Uma linha do tempo digital programada pra ser seu fetichizado campo de batalha.
Paulo quer mudar o mundo. Mas não põe o lixo pra fora. Paulo quer consertar a moralidade de ‘tudo que taí’, mas faz 3 meses que não arruma a própria cama.
O drama de Paulo é não ter ciência do quão pouco pode mudar o fluxo do universo e o quão gravemente pode machucar os sentimentos de outra pessoa. Assim como os seus também foram machucados por todos esses anos.
Paulo não tem ciência, mas tem raiva e ele vai cuspi-la na sua cara. Ou melhor, na sua foto de perfil.
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