Em edição histórica, Mostra de Cinema de Gostoso prova (mais uma vez) que cultura e educação são indispensáveis

Ao longo de 5 dias, população teve disponível o melhor do audiovisual brasileiro com direito a sessões, seminários e debates incríveis.

Por Ailton Rodrigues e Ricardo André

Equipe do curta Sideral, de Carlos Segundo sendo premiada – Foto: Rubens dos Anjos

A 8ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso chegou ao fim, dos dias 26 a 30 de novembro a população e visitantes da cidade tiveram a sua disposição o melhor do audiovisual brasileiro em sessões na Praia do Maceió, além de seminários e debates enriquecedores na Pousada dos Ponteiros.

Todavia, o início de tudo foi com muitas incertezas, era a volta para uma edição presencial após um 2020 virtual. Além disso, era necessário garantir medidas de prevenção visto que ainda estamos passando por uma pandemia. Sem falar no recorrente transtorno que é conseguir recursos para fazer Cultura nesse país: podemos dizer que o saldo foi extremamente positivo!

Apesar de todas as dificuldades expostas, um grupo de empresas juntamente com o Governo do Estado tiveram coragem de retomar o projeto junto com os produtores da Mostra de Cinema de Gostoso. A partir daí novos apoios começaram a surgir e possibilitaram a realização de uma das melhores mostras já realizadas.

CURADORIA REFINADA

Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld: Direção Geral e Curadoria do Evento – Foto: Rubens dos Anjos

A curadoria do evento foi elogiada por idealizadores e boa parte do público pelo intrínseco relacionamento entre as obras selecionadas para cada noite, eles ainda tiveram que se debruçar sobre mais de 600 obras inscritas, número recorde até então. Como de praxe, sempre uma temática se sobressai, esse ano a questão racial apareceu desbancar outros assuntos com Cabeça de Nêgo (2021), Rolês – História dos Rolezinhos (2021), Marighella (2019) e A Viagem de Pedro (2021).

Com menos filmes gostosenses, a mostra desse ano chegou trazendo produções que dialogavam melhor com a comunidade e com os jovens abordando aspectos do dia a dia e trazendo histórias de vida, a exemplo de A Felicidade das Coisas (2021). Claro que filmes mais peculiares não faltaram como Fole (2021), Céu de Agosto (2021) e Vale do Vento Eterno (2021) – este último filmado em Gostoso e Rio do Fogo.

A produção local não ficou de fora trazendo Papa Jerimum (2021) e Mestre Marciano (2020), essas obras conseguiram dialogar de forma provocativa fugindo do óbvio e trazendo um questionamento sobre o passado e o futuro de São Miguel do Gostoso.

DEBATES EDUCARAM E PROVOCARAM

Debate com Realizadores – Foto: Rubens dos Anjos

Os debates talvez sejam as atividades mais relevantes da Mostra de Cinema de Gostoso, neles os realizadores são colocados cara a cara em um diálogo aberto com o público. Além da imprensa, outros realizadores, pessoas da comunidade e estudantes do Coletivo Nós do Audiovisual também estão presentes interessados em discorrer e aprender sobre detalhes técnicos e artísticos dos filmes exibidos. Esse ano um menor público presente garantiu um diálogo mais longo e detalhado sobre os curtas e longas.

O primeiro debate foi um misto de reencontro, pois era a primeira vez que muitos cineastas estavam podendo reencontrar outros colegas presencialmente. Coube a ‘Papa Jerimum’ que conta a história de seu Leonardo Godoy, um dos pioneiros no turismo em São Miguel do Gostoso. A obra foi muito elogiada, apesar de trazer uma temática já conhecida de construção de documentários históricos, ele foge do óbvio apresentando um Leonardo autêntico, e que acendeu a curiosidade dos debatedores sobre essa figura gostosense.

Outro grande destaque do dia foi a apresentação de ‘Marighella’, outro filme em catálogo no Globoplay, onde sua apresentação espetacular foi o tema mais debatido. A desmistificação da preparação dos atores realizado pela diretora Fátima Toledo foi o ponto de início para revelação de mais detalhes da produção e das filmagens. Também foi abordado sobre a representatividade nordestina por meio de atores da região que é algo muito valorizado pelo diretor Wagner Moura.

O debate com a presença da já consagrada Laís Bodanzky trouxe elementos da produção do longa ‘A Viagem de Pedro’ – sem dar spoilers – e de quebra rendeu conselhos para os realizadores, dando ênfase que o trabalho do ator é um dos pilares de um bom filme, mesmo que roteiro e direção sejam “ruins”.

“Você pode ter tudo mais ou menos, mas o ator não pode falhar, ele tem que ser bom” – Lais Bodanzky

O segundo debate da Mostra foi totalmente permeado por questões raciais e de representatividade. Do ponto de vista técnico, não faltou perguntas sobre a produção e distribuição de ‘Cabeça de Nêgo’, que atualmente está no catálogo da plataforma de streaming Globoplay.

Debate com Realizadores – Foto: Rubens dos Anjos

O penúltimo debate foi o de maior público, reunindo os realizadores dos curtas ‘Vale do Vento Eterno’ e ‘Tereza Joséfa de Jesus’, além do longa ‘Rolês – História dos Rolezinhos’. Foram 4 dias de conversas e troca de aprendizado simplesmente incríveis

SEMINÁRIOS DESTRINCHARAM OS CAMINHOS DO AUDIOVISUAL

Seminário com Laís Bodanzky e Thais Fujinaga – foto: Rubens dos Anjos

Os seminários se superaram neste ano. O primeiro deles, trouxe Déo Cardoso que destrinchou com mediação Rafael Sampaio o caminho do roteiro até a distribuição do filme ‘Cabeça de Nêgo’. Déo ressaltou a importância dos filmes dialogarem com todos os públicos e da necessidade de se fazer filmes acessíveis, mas que ainda assim abordem temas relevantes.

O segundo seminário teve Laís Bodanzky e Thaís Fujinaga. O encontro das diretoras de longa-metragem, uma com a experiência de cinco e a outra com seu primeiro. O seminário foi uma verdadeira aula do que é fazer cinema com temas sobre representatividade e origem da carreira delas no audiovisual, além dos desafios que enfrentam até hoje.

NUNCA FOI TÃO NECESSÁRIO TER ARTE NO BRASIL

exibição dos filmes na praia do Maceió – foto: Rubens dos Anjos

O audiovisual brasileiro sofreu um baque forte por causa da pandemia, assim como outras áreas também. Todavia, a sétima arte também foi alvo de perseguições pelo Governo Federal especialmente com acusações de censura contra a Agência Nacional de Cinema (Ancine) encabeçada por ‘Mariguella’, dirigido por Wagner Moura, e ‘Medida Provisória’, com direção de Lázaro Ramos.

Mesmo assim nos últimos dias há o que se comemorar, o Secretário Especial de Cultura, Mário frias, fez um anúncio aprovando um plano de ação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) investindo cerca de 615 milhões no setor. Empresas de streaming como Netflix, HBO, Amazon Prime e Globoplay também anunciaram que pretendem investir mais em produções brasileiras, acima do teto que a lei obriga.

Contudo, eventos como a Mostra recebem críticas locais de alguns indivíduos sempre pelos mesmos pontos desde a sua primeira edição: a linguagem utilizada nas obras, as temáticas recorrentes (racismo, homofobia, marginalização, etc.) e até a faixa etária de exibição na praia. Comentários carregados de conservadorismo e total desconhecimento da realidade ao qual estamos inseridos.

Afinal, para toda a produção do evento documentos são exigidos e o diálogo com organizações de todas as esferas são devidamente respeitados desde a Prefeitura Municipal até o Conselho Tutelar. Programação e sinopse das obras são divulgados com antecedência, horários são estendidos visando justamente a aplicação da lei na classificação indicativa.

Prova concreta que falta educação, sobra ignorância.

Nós continuamos de olho. Até qualquer hora!

Autor: Ailton Rodrigues

Técnico em Informática (IFRN), que adora esportes e jornalismo, estando sempre disponível para bons papos. Coordenador de Comunicação do clube de futebol TEC (Tabua Esporte Clube), membro do Conselho do Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania (CDHEC), comunicador da Mostra de Cinema de Gostoso. Formado em Pedagogia (UFRN).