O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO AOS FILHOS POR ABANDONO AFETIVO

“Amar é faculdade, cuidar é dever” foi o argumento da Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça ao defender a indenização em face de abandono afetivo dos filhos.

POR AUXILIADORA RIBEIRO

O direito à convivência familiar, assim como o direito aos alimentos é previsão Constitucional (CF, art. 227) e se encontra também no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Vejamos a redação do artigo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Grifo nosso)

A Constituição atribui aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos, conforme art. 229:

 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Fonte: Google Fotos

Tanto o direito à alimentação, quanto o direito à convivência familiar são direitos fundamentais, ou seja, são indispensáveis para a efetividade da dignidade da pessoa humana. Ocorre que, o direito à convivência sofre frequente violação mas é pouco visto como uma obrigação dos pais.

Alguns pais, e quando falo pais me refiro a pai e mãe, entendem que convivem com seus filhos se quiserem, acham que é um direito e não um dever. Porém, os artigos acima citados demonstram que se trata de uma responsabilidade, no qual prevalece o melhor interesse dos filhos. Sendo assim, se trata de um direito-dever, e nesse caso, como a criança e o adolescente deve ser tratada com absoluta prioridade, o dever prevalece.

Muitos “correm atrás” da pensão alimentícia, mas o direito a convivência fica em último plano, ou nem é lembrado. Alguns entendem como humilhação ficar “correndo atrás” para que os pais possam conviver com os filhos, mas entendo que isso não é “correr atrás” do pai ou da mãe, e sim correr atrás do direito do filho, assim como no direito a pensão alimentícia.

Apesar de tudo, estamos tendo avanços nesse tema, tendo em vista que a convivência familiar vem passando por uma mudança na sua interpretação, pois era entendida apenas como algo que pressupõe amor, afeto, o que impossibilitava exigir o seu cumprimento na justiça, por exemplo. Atualmente, tem sido visto como um direito que se violado, pode ocasionar danos psicológicos as crianças e aos adolescentes, pode constituir ilícito civil por omissão no dever de cuidar, e quando cometemos ilícito civil, quando causamos dano a outrem ficamos obrigados a reparar. Vejamos o que diz o Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Os dispositivos citados são um dos fundamentos para a possibilidade de indenização moral por abandono afetivo. A propósito, além de decisões judiciais nesse sentido, há um projeto de Lei já aprovado no Senado (PL 3212/2015), e que está em trâmite na Câmara dos Deputados que visa alterar o ECA, para além dos deveres de sustento, guarda e de educação dos filhos menores, atribuir também aos pais os deveres de convivência e assistência material e moral, sob pena de ter que pagar indenização.

Cumpre citar alguns pensamentos sobre o assunto, como o de Fontoura Souza (2020) sobre as formas de caracterização de abandono afetivo:

O abandono afetivo ocorre de diversas formas. Seja pela recusa injustificada do dever de convivência, quando o pai ou a mãe se nega a ficar na companhia de seu filho e afasta-se dele, tendo um comportamento de desamor e indiferença, como se aquele ser sequer fizesse parte da sua vida; seja pela omissão no dever de assistência moral e intelectual no processo de formação do menor ou no dever de cuidado.

Santos Hamada (2013), explica:

[..] o abandono afetivo “pode ser configurado quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente” (BASTOS; LUZ; 2008, p. 70). […] O dever de convivência, então, deriva do poder familiar, o qual é irrenunciável e indelegável, sendo que a entidade familiar “pressupõe laços de afetividade e ambiente harmonioso, propícios ao desenvolvimento sadio do menor, a fim de contribuir para sua formação digna” (SILVA, P. 2010). [..] Assim, a negligência, uma das causas do abandono afetivo, “é caracterizada pela desatenção, pela ausência, pelo descaso, pela omissão ou, simplesmente, pela falta de amor” (GOMIDE apud ROSSOT, 2009, p. 12).

É importante perceber que há entendimento firmado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDF de que o abandono afetivo pode ensejar indenização por dano moral se houver prova de efetivo prejuízo à formação do indivíduo.

Por fim, cito o entendimento da Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial Nº 1.159.242 – SP (2012, p. 10-11), a qual entendeu cabível a fixação de indenização em face de abandono afetivo, sob os fundamentos a seguir:

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: “(…) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (…)”. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. […] Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

Essa fundamentação da Ministra em 2012 vem contribuindo para uma mudança na interpretação ao direito-dever de convivência familiar, e consequentemente para uma melhor efetivação dos direitos da criança e do adolescente. Apoio essa possibilidade de indenização aos filhos quanto a omissão no direito de cuidar, pois tanto como mãe, quanto como Conselheira Tutelar vejo o quanto tal omissão pode interferir no desenvolvimento saudável e integral das nossas crianças e adolescentes. Chega de filhos órfãos de pais vivos!

Pai, mãe, familiares: seja advogado(a) das crianças e adolescentes que estão tendo seu direito à convivência familiar violado e lute para a efetivação desse direito. Se precisar de orientações procure o Conselho Tutelar, ele é o órgão guardião dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Até a próxima!

Autor: Auxiliadora Ribeiro

Técnica em Administração pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN; Bacharelanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; membro da trupe teatral "Café com Leite".