REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: O MENOS É MAIS!

Infelizmente São Miguel do Gostoso está na estatística dos municípios despreparados para agir sobre essa questão, pois não possui os aparatos apontados pelo nosso entrevistado, que funcionam como medidas alternativas importantes para o problema.

POR AUXILIADORA RIBEIRO, SÃO MIGUEL DO GOSTOSO/RN

Fonte: Google imagens
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Esse é um tema bastante complexo e um dos maiores problemas é que se tem proposto soluções simplistas para ele. Há muitas máscaras, muitos “não ditos” por trás da proposta de redução da maioridade penal. Para entendermos melhor, é necessário fazer um panorama geral do sistema carcerário brasileiro.

Comecemos pelos dados não divulgados pela mídia sensacionalista: O Brasil se encontra na terceira posição entre os países mais encarceradores do mundo. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o panorama do Sistema Penitenciário é:

Fonte: Conselho Nacional de Justiça.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça.
Fonte: Conselho Nacional De Justiça
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Já que o “problema” é o déficit de vagas, a solução seria então construir mais presídios? A melhor resposta provavelmente seria a de Albert Einstein: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” Se está se prendendo mais e a violência só aumenta não seria o caso de revermos essa situação?  Como não se trata de um tema simples, O Contador de Causos entrevistou o sociólogo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Dr. Alípio de Sousa Filho que é contrário a redução, pois para ele:

“A ideia da redução da idade penal é mais um dos argumentos falaciosos no debate público no Brasil sobre os assuntos da chamada violência urbana e da criminalidade. Estudos mostram que é reduzidíssimo o número de adolescentes e jovens menores de 18 anos envolvidos em crimes como homicídio. E já há leis que abordam e estabelecem medidas punitivas para adolescentes e jovens infratores, não se justificando uma redução da idade penal pela ideia que as leis existentes não abarcam esses jovens. E Como se sabe, as prisões não tendo servido para outra coisa que senão recluir pessoas ao fundo de um sistema perverso, desumano, degradante, que não serve para o fim que a própria lei penal presume.”

Para ver a entrevista na íntegra, acesse aqui: Entrevista redução da maioridade penal

Durante algum tempo fui a favor da redução, principalmente por influência dos programas que cultuam a violência, entretanto, ao buscar um pouco mais de informações sobre o tema e ao participar do evento promovido pelo Pet de Ciências Sociais da UFRN nos dias 18 e 19 de maio deste ano sobre “Segurança pública, políticas penais e sistema carcerário no Brasil hoje” coordenado pelo professor Alípio de Sousa a venda foi tirada dos meus olhos definitivamente.

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Percebi que nosso posicionamento  depende do olhar que lançamos sobre a questão: se olharmos apenas do ponto de vista da violência, sem pensar o contexto que está por trás desse problema, claro que iremos querer “alguma medida que resolva”, e ainda mais sobre o peso constante do apelo de programas sensacionalistas, sobre os quais o professor destaca:

“É fato que um certo tipo de jornalismo e programas sensacionalistas de TV e rádio atuam com esse fim de construir uma opinião favorável ao endurecimento de penas. Esse tipo de programa e seus apresentadores e locutores praticam o populismo penal: apelam ao emocional da população, tentam fazer crer que as cidades estão tomadas pela violência, amplificam casos isolados, transformando-os em objetos de campanhas de comoções, produzindo pânico social.

Se olharmos, porém, por outra ótica, em que constata-se que o Brasil conta com a terceira maior população carcerária do mundo, com um déficit de vagas de 358.219 lugares e com 373.991 mandados de prisão em aberto, e pensarmos racionalmente, descobriremos que encarcerar não diminui a violência, pelo contrário, como disse Padre Valdir Silveira, Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária em palestra no evento já mencionado, a violência só aumenta.

Ele afirma: “quem educa por violência vai ter um filho violento. Quanto mais violência nos presídios mais violência na sociedade. Quanto mais se tortura os presos mais violência. Querem ensinar o indivíduo a viver em sociedade fechando ele numa sela, portanto, o sistema prisional é contraditório na sua própria criação.”

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Desse modo, refletindo e buscando mais informações sobre o tema, deixaremos de ser meros reprodutores dos discursos midiáticos que cultuam o populismo penal, que colocam em nós a impressão de que não há outra saída, não há outro caminho para diminuir a violência se não aprovando a redução da maioridade ou aderindo a outras falsas soluções radicais como a prisão perpétua, pena de morte, etc.

Há o fator ainda da seletividade do sistema prisional, pois no Brasil existe uma seletividade de classe e raça porque quem está preso é o preto e o pobre. Dados do  DEPEN de 2013 comprovam essa seletividade:

A maioria dos encarcerados são pardos e negros.
O número dos que chegaram ao ensino médio é reduzidíssimo.

Acesse o link e veja o relatório completo: http://institutoavantebrasil.com.br/colapso-do-sistema-penitenciario-tragedias-anunciadas/

Diante dessa realidade há muito o que se discutir além de argumentos contrários e a favor da redução da idade penal, que está totalmente atrelado a todo esse panorama geral do nosso sistema carcerário de superlotação, maus tratos, torturas, seletividade, interesses de empresários. Nosso entrevistado destaca:

“Os argumentos a favor são mentirosos. São sofismas. Populismo penal. Jogam com o desconhecimento da população sobre o que funda a violência profunda nas nossas sociedades. E jogam com o sensacionalismo que apela ao emocionalismo que escorre pelas veias da população brasileira. Os argumentos contrários à redução da idade penal são autênticos, verdadeiros. Aqueles que defendem essa posição acreditam na justiça social, acreditam que podem existir sociedades sem prisões, com outras medidas para coibir aquilo que, à luz de uma legislação específica, constitui prática de crimes. Sabem que o horizonte da punibilidade social não pode ser unicamente as prisões. Um modelo falido desde sua origem.”

No dia 11 de maio deste ano a ONU emitiu uma nota declarando-se contra a redução e afirmando que condena qualquer forma de violência, incluindo aquela praticada por adolescentes e jovens. No entanto, é com grande inquietação que se constata que os adolescentes vêm sendo publicamente apontados como responsáveis pelas alarmantes estatísticas de violência no País, em um ciclo de sucessivas violações de direitos.

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Dados oficiais mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no País. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás da Nigéria.

Para acessar a declaração na íntegra acesse: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/05/1627473-violencia-no-brasil-pode-ser-agravada-com-reducao-de-idade-penal-diz-onu.shtml

A ONU afirma ainda que se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, a cidadania e a justiça, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves consequências no presente e futuro.

Quanto ao professor Alípio, ele afirma que concorda totalmente com esse posicionamento da ONU:

“Todos sabemos que o que chamamos de “violência” não é algo simples. A violência integra as estruturas da sociedade que vivemos, pois estamos em sociedades violentas. Suas violências são múltiplas: desigualdades sociais, econômicas, exclusões, marginalizações, discriminações, preconceitos, subordinações, negação de reconhecimento a diversos sujeitos sociais. Em segundo lugar, e por essas próprias razões, nossos jovens e adultos, vivem em uma realidade que os violenta, oprime, exclui. Assim, a tal da violência que é todo dia falada e alardeada é somente uma aparência da profunda violência que está nas estruturas sociais e, portanto, não pode ser enfrentada com mais violência: prisões, controle social ampliado, redução da idade penal etc. como um assunto de polícia e esta como a base das políticas de segurança pública. Violência não é assunto de polícia, é questão social complexa. Somente poderá ser enfrentada se forem abordadas e solucionadas as outras violências estruturais. Enquanto houver exclusão social, marginalização, discriminação e abandono de partes inteiras da população às misérias que nos sufocam na vida cotidiana haverá a violência de que se fala tanto nas TVs, rádios e jornais.”

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O Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária e a ONU convergem no fato de que “a redução da maioridade penal e o consequente encarceramento de adolescentes de 16 e 17 anos poderia acentuar ainda mais as vulnerabilidades dessa faixa da população à violência e ao crime.”

Há também outra complicação. É disseminada a ideia de que esses menores infratores não são punidos, mas a ONU notifica que são punidos sim, pois “no Brasil, adolescentes a partir de 12 anos já são responsabilizados por atos cometidos contra a lei, a partir do sistema especializado de responsabilização, por meio de medidas socioeducativas, incluindo a medida de privação de liberdade, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).”

E em relação ao sistema não está funcionando de forma efetiva, a ONU declara que “é preciso aperfeiçoá-lo de acordo com o modelo especializado de justiça juvenil, harmonizado com os padrões internacionais já incorporados à Constituição Federal de 1988.”

Mesmo com tais dificuldades nesse sistema de medidas socioeducativas (que na verdade tem seguido também o modelo punitivo, no entanto, isso é outra questão) acredito que o sistema socioeducativo no Brasil é melhor que o sistema carcerário dos adultos, em que, neste, o índice de reincidência no crime é bem maior.

Realmente estamos diante de uma grande problemática, e é preciso analisar cautelosamente as causas que produz tais efeitos, que sem sombra de dúvidas atemoriza toda a sociedade, e prejudica a muitos, mas que só pode ser combatida a partir de um estudo sério das raízes da violência, que como já dito, está na omissão em relação aos direitos BÁSICOS que as crianças, adolescentes e jovens “DEVEM” usufruir. Nós não podemos, e não devemos ser complacentes com isso. É preciso entender, pois é evidente, que reduzir a maioridade penal vai aumentar a violência, e nesse caso o menos é mais, muito mais!

Ademais, existem medidas alternativas para agir sobre as causas desencadeadoras desse problema, que segundo o nosso entrevistado:

Só há uma saída: Estado de bem-estar-social, que no Brasil não existe; com muito atraso, apenas está iniciando; políticas públicas de educação, cultura, lazer, direitos humanos, políticas de reconhecimento da cidadania de sujeitos excluídos. Nas nossas cidades, precisamos urgentemente de teatros, cinemas, bibliotecas, escolas, quadras de esporte, espaços de sociabilidade, e em todos os bairros, não apenas naqueles onde moram camadas que já são favorecidas por seus ganhos econômico-financeiros. Equipamentos que sejam construídos e mantidos pelo poder público ou pelos empresários. Estes que são agentes sociais que precisam aceitar que devem investir em bens públicos/coletivos, sem ganhos, sem lucros, mas sabendo que estarão ajudando a construir uma sociedade que pode ser melhor, mais democrática, mais igualitária.

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Infelizmente São Miguel do Gostoso está nas estatísticas dos municípios despreparados para lhe dar com tais questões, pois existe apenas uma biblioteca considerável no município, sendo que é na sede,  e assim, as mais de 20 comunidades ficam sem acesso. E não termina por aí! A biblioteca é “escondida” e inacessível, pois as pessoas não podem sequer pegar algo do acervo emprestado.

Existe apenas uma quadra de esportes na sede do município, e comunidades importantes como Novo Horizonte e Tabua, não possuem qualquer equipamento de esporte e lazer. As pracinhas estão deterioradas, etc. Enfim não tem muito para onde ir, não existe política de bem-estar social, não se apoia, ou se apoia quase que insignificativamente eventos culturais. Os projetos de promoção de lazer enfrentam diversas dificuldades para serem executados, etc. Talvez possa está aí o motivo do aumento da onda da violência no município, que como em todo nosso país, tem constantemente jogado a culpa para os jovens.

E foi justamente essa, a motivação desse artigo, pois em um programa da rádio local, um locutor acentuou tanto a questão, se mostrando a favor da redução, que como estudante, e em processo de construção de pensamento crítico me sinto na obrigação de mostrar o outro lado da moeda, que não é vendida na mídia, e afirmar que concordo com o que foi dito no final do documentário “Sem Pena” de Eugênio Puppo, que passou na Mostra de Cinema de Gostoso em 2014 e também no evento do Pet de Ciências Sociais da UFRN: “nós todos iremos tombar”, – e acrescentaria – já estamos tombando, ou ainda mais: JÁ TOMBAMOS!

Fontes usadas para o artigo:

http://justificando.com/2015/04/09/o-sinal-esta-fechado-para-nos-que-somos-jovens/

http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/reducao-da-maioridade-penal-3/

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/05/os-interesses-por-tras-da-reducao-da-maioridade-penal-no-brasil.html

http://institutoavantebrasil.com.br/colapso-do-sistema-penitenciario-tragedias-anunciadas/

http://justificando.com/2015/05/19/cadeia-nao-e-negocio-e-preso-nao-e-mercadoria/

http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/cunha-quer-referendo-sobre-reducao-da-maioridade-penal-8051.html

http://www.vermelho.org.br/noticia/264041-10

http://cedecainter.org.br/campanha-contra-reducao-da-maioridade-penal/

 

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Autor: Auxiliadora Ribeiro

Técnica em Administração pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN; Bacharelanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; membro da trupe teatral "Café com Leite".

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